quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Como a Harpers desmistificou o estilo de vida de Carrie Bradshaw

A Harpersbazaar escreveu há uns tempos um artigo deveras interessante e inócuo sobre o fenómeno The Sex and the City, que marcou a minha geração e os mundo da televisão no final do milénio. 
Já por aqui escrevi que Carrie Bradshaw sempre representou, para mim, o arquétipo da mulherzinha fútil, que acha que tudo lhe é devido, sem respeito pela sua condição, chatinha e peganhenta. Mas o facto é que a série viveu através dos seus relatos, mas alimentou-se de personagens muito mais interessantes e sensatas, pelo que a Carrie, para mim, sempre foi muito mais um acessório da trama do que a sua alma. 
Voltanto ao artigo da Harpers, que coloca em causa o estilo de vida, ligeiramente opulento, de Carrie Bradshaw numa das cidades mais caras do mundo, lê-se: 
1) "It´s so easy to meet men in New York!"


Dentro daquilo que conheço da humanidade, parece-me que a série peca realmente por excesso. Primeiro porque fisicamente a personagem não é tão atraente como a querem vender; em segundo, Carrie Bradshaw não é uma mulher particularmente interessante, cheia de intelectualidade e ternura, capaz de arrebatar o coração de qualquer cavalheiro; por último, embora considere que qualquer mulher é capaz de encontrar nem que seja um camafeu para um encontro romântico, é preciso gastar tempo e energia, elementos que uma mulher que trabalhe, com contas para pagar, não terá em abundância. No entanto, poderia dar o benefício da dúvida e afirmar: não senhora, uma mulher, por mais tontinha que seja, quando se dispõe para a conquista e mantém as exigências baixas, consegue sempre qualquer coisinha. 
2) "You'll be totally fine if you decide to spend your paycheck on shoes instead of rent."


Ora aqui é que já não há muito em que pensar. Ora vejamos: qualquer pessoa que tenha acompanhado a série sabe que o background familiar da Carrie se manteve sempre em segredo. Mais tarde, foi para o ar uma série sobre a sua juventude, o que descortinou algumas dúvidas, mas isso para aqui também não seria chamado. Ou seja, para todos os efeitos, Carrie Bradshaw não é descendente de nenhum magnata nem teve uma educação de luxo, algo que se percebe pelos seus modos algo torpes, que denunciam uma rapariga, quanto muito de classe média, sem grandes regras familiares, que gosta de beber e de fumar como um homem e de conquistas de uma noite. 
Isto tudo para chegar à conclusão que se Carrie realmente não tinha um rendimento extra, seria impensável gastar pequenas fortunas em sapatos regularmente, pagar um apartamento na zona mais cobiçada de Nova Iorque e ainda ter orçamento para noitadas e refeições fora de casa.  O que vai, de resto, de encontro às constantações 3 e 4: "You can afford (and find) an Upper East Side apartment all by yourself with a giant closet and plenty of space." ; "You never have to take public transportation when there are cabs everywhere!"
5) "You can run around in the city in 6 inch stilettos." 


Neste ponto sou expert e posso falar com a certeza de quem ama stilettos, mas os reserva para ocasiões muito especiais, dada a sua complexidade. Embora seja calçado extremamente elegante, um clássico sem mácula, não foram pensados para o quotidiano. Por norma, andam à volta dos 10 cm de tacão, quando não os ultrapassam, o seu salto é tão fino que se enfia literalmente em qualquer fenda da calçada e por muito exclusivos que sejam, magoam sempre os pés na zona da frente, dado o seu modelo ser em bico, um verdadeiro tormento para senhoras de pés menos graciosos. Correr com stilettos (quem diz stilettos diz qualquer calçado com salto matadorcomo uma bailarina, mantendo uma figura de cisne, como se tivesse aprendido a andar já com eles calçados, até é possível para as mais arrojadas e experientes, mas não se consegue fazer disso hábito com um estilo de vida extenuante.
6) "You'll be completely satisfied buying fashion instead of food."  Bem, já conheci de tudo. Há muita senhora que prefere ter uma boa carteira e sacrificar um bocadinho a despensa lá de casa. Em relação a isso, não me parece que a série exagere, porque há efetivamente gente assim e Carrie talvez seja um exemplo bem construído disso mesmo. 
7) "You can somehow afford living in New York by only writing one column a week." 


Pois... claro que me parece muito improvável. E creio que a série peca realmente nesses pontos, por ter dado tão pouco crédito à sua audiência. Mas há quem disseque The Sex and the City para além dos Manolos da Carrie, das Fendi da Samantha e do estilo algo monótono a cheirar a Ralph Lauren de Charlotte. Mas não será a única incongruência a esse nível. De resto, será repetir o que foi escrito nos pontos anteriores. 

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Esta moda dos filmes de super heróis



Tenho alguma pena de afirmar que sinto saudades do bom cinema. Embora continuem a fazer-se bons filmes, eles não conseguem ter o impacto que tinham há uns bons anos. Tornavam-se filmes de culto, marcavam gerações. Veja-se American History X, com as temáticas racismo e xenofobia como impulsionador principal para a trama; ou a versão nonsense do quotidiano de um mandrião, dos geniais irmãos Coen,  The big Lebowski; para não falar de The Shawshank Redemption, para quem não sabe, o filme mais bem cotado no IMDB, a par do The Godfather, até aos dias de hoje - do criador de uma das minhas séries de televisão favoritas:The Walking Dead (da qual já falei por aqui algumas vezes), Frank Darabont.  

Edward Norton, em American History X (1998), de Tony Kaye

Em 2002 Sam Raimi realizou Spiderman, com o imberbe Tobi Maguire como o subtil Peter Parker e o mundo ensandeceu. Na altura, com 16 anos, já completamente rendida ao The Lord of the Rings, vi o filme, a modos que gostei, mas passei ao lado da histeria. Longe estaria, no entanto, de pensar que seria esse filme a marcar uma mudança de paradigma no cinema mundial, a criar uma espécie de vassalagem cega a obras deste género cujos ingredientes são pardos, às vezes até grosseiros, mas eficazes: homens e mulheres fisicamente atraentes; diálogos curtos, desesperadamente facilitadores , com tiradas de humor pouco exigente; temáticas apocalípticas; excesso de CGI, criando uma espécie de pornografia de efeitos visuais; arcos,  no geral, pobres, pouco desenvolvidos e sem grande complexidade.

Spider-Man (2002), de Sam Raimi

Transportaram-se os heróis de culto da infância de algumas gerações para filmes tão tontos que me custa hoje em dia admitir que fui grande fã dos Transformers - tive até um, que acabei por perder quando mudámos de casa; do Homem Aranha e da sua Mary Jane; ou até do Super Homem. 
Há mesmo uma espécie de gente que só consome filmes de super-heróis, que arrasta a prole para uma tarde de cinema no shopping, com pipocas e refrigerantes à mistura, pois claro;  grandes fãs de Michael Bay; cujo conhecimento se perde para além das barreiras dos super-heróis ou dos vilões da BD; que crêem que Megan Fox é uma atriz de topo; que o que o que tem qualidade mete sempre porrada, tiros, carros velozes, fatos de latex ou algum material coleante. Dou por mim a pensar que vivem numa espécie de vortex de blockbusters

Transformers, de Michael Bay

Honras sejam feitas, porém, ao trabalho de excepção de Nolan, que criou um Batman à medida do imaginário dos seus fãs - o único super-herói que se vale apenas da tecnologia e metodologia de treino para combater as injustiças sociais. 

Batman Begins (2005), de Christopher Nolan




sexta-feira, 16 de outubro de 2015

H&M Design Award (2014)




O vencedor do ano 2014 do H&M Design Award é um jovem de 24 anos, de nacionalidade francesa, simples e distinto. Eddy Anemian conta que se inspirou na belíssima obra de Jean-Auguste Dominique Ingres e no filme I am love - nomeado para o Óscar de melhor figurino -, de Luca Guadagnino, para criar a coleção They Can Cut All The Flowers, They Cannot Keep Spring From Coming, romântica e ingénua. 


No site da marca, apenas uma peça está disponível, por enquanto, a um preço de segmento médio, o que pode constituir um bom investimento para as amantes do design de autor. 







segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O lodaçal



As conversas pelos blogues nacionais estão o espelho da educação torpe das criaturas que habitam este belo pedaço de terra à beira mar plantado. As senhoras, quando toca esganiçarem-se seja pelo que for, tornam-se verdadeiros capetas de saltos. Se, por um lado, há quem se queixe do extremismo de esquerda, pelo outro, ainda mais duvidoso, vem o discurso da superioridade moral deslavado da direita. E porque, de facto, temos direito ao voto, nem que optemos por anémonas com olhos, deixemo-nos de baixarias que isto já parece mal.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Jay Gatsby, um homem ímpar.

 
Leonardo DiCaprio em The Great Gatsby, de Baz Luhrmann.

A foto da semana, aqui no blog - talvez não tenham notado -, pertence a uma das mais belas cenas do cinema dos últimos tempos. Trata-se de DiCaprio, com o seu ar imperial nórdico, vestido como um cavalheiro, ligeiramente excêntrico, rodeado de flores brancas, impaciente, com uma expressão de angústia que haveria de ficar eternizada para as gerações que virão. Sou, inegavelmente, fã do seu trabalho e, por norma, nunca decepciona. Soube desligar-se com mestria do imberbe Jack Dawson de Titanic e talhou a sua carreira, deixando para trás aquela etiqueta desmesurada de sex symbol que qualquer senhor de bom gosto abomina e repele com veemência. 




Em The Great Gatsby, baseado no livro homónimo de um dos maiores nomes da literatura do século passado, Scott Fitzgerald, interpreta Jay Gatsby, um homem cuja riqueza material cria um interessante paradoxo com a sua espiritualidade. Embora um self made man, soube absorver os ensinamentos, a educação de esmero, a cordialidade e toda a sumptuosidade que um homem criado em berço de ouro deveria ter a obrigação de possuir e que tantas vezes refuta em nome da ordinarice, e da sua torpe elasticidade moral. 
Amava incondicionalmente uma mulher, cujo desvelo não lhe seria correspondido da mesma forma. Talvez a tenha amado como apenas se ama em filmes ou em grandes romances literários, mas foi a imagem de um amor puro, despretensioso que soube, como a música diz, deformar tudo ao seu jeito, para que parecesse bonito. E em Jay Gatsby tudo parece belo e magestoso. 


Kate Winslet para The Edit ou a beleza dos seus 40





Kate Winslet para The Edit

Apesar de nunca ter feito parte das minhas beldades de eleição, é inegável a sua raça de english rose, a sua pose assertiva e tranquila, como a de uma verdadeira senhora que sabe ao que vem, como estar e como dirigir com rigor a sua carreira. Toda a gente se lembra da ruivinha de busto farto, impertinente e até ligeiramente tonta, em Titanic. Haveríamos de a relembrar por longos períodos e uma geração inteira de meninas e graúdas invejou-lhe a sorte de co-protagonizar, com Leonardo DiCaprio, uma das mais míticas histórias de amor do cinema Hollywoodesco



Se Kate Winslet não me conquistou lá, fê-lo magistralmente em The Reader, em Revolutionary Road, em The Life of David Gale ou mesmo em Eternal Sunshine of the Spotless Mind. Vê-la tão graciosa no editorial da The Edit, mais bela aos 40 do que aos 20, com uma segurança de discurso e uma forma de diva de outros tempos, faz-me gostar ainda mais dela. 

A entrevista aqui

domingo, 27 de setembro de 2015

Se vos derem limões, não façam como Fiona Gallagher.


Quem acompanha a Shameless, em Portugal transmitida na FOXlife com a tradução pouco abonatório No Limite, conhecerá, de cor, as tropelias e a personalidade, digamos que pouco ortodoxa, de Fiona Gallagher. Para quem não faz ideia do que me refiro, brevemente, explico que a série, que já conta com cinco temporadas, retrata a vida de uma família desestruturada, que vive - lá está talvez a explicação para a tal tradução - no limite da pobreza, da existência e da moralidade. Embora tivesse material mais do que suficiente para se tornar num dramalhão de cortar à faca, os criadores, John Wells e Paul Abbott - também produtor da série homónima inglesa, que estreou em 2004 - fizeram da trama uma verdadeira comédia negra, que ora desperta uma compaixão natural ora nos faz revirar os olhos de nervos, tal é o nonsense do quotidiano.  


Depois de uma breve nota introdutória sobre a série, que não lhe fará, de forma alguma, justiça, deixo ao critério do leitor que a curiosidade o leve a interpretar pelos seus moldes tão complexa obra contemporânea.
Ora sigamos, que não quero maçar com um texto demasiado longo quem me lê e debruçar-me-ei pois sobre uma das personagens principais, Fiona Gallagher, irmã mais velha de uma extensa família de seis irmãos, que carrega, fatidicamente, a responsabilidade da sua criação.
Interpretada por Emmy Rossum, é talvez a personagem mais complexa da série. Primeiro, cimenta uma ligação de amor com o espectador. Ligamo-nos, irremediavelmente, à sua imberbe idade, ao desconsolo que transparece quando as situações se adensam, ao esforço titânico que move a sua existência na qual se ligam, primeiramente, dois adolescentes e três crianças. E aqui o espectador não é poupado. Fiona é retratada cruelmente e todo o caos que encerra o seu crescimento não é amenizado com floreados aos olhos de quem vê. Há desmazelo, fome, pouca instrução escolar, modos rudes, toda uma torpe educação que vai muito para além daquilo que poderíamos esperar à partida.


No entanto, com o decorrer dos episódios, o espectador apercebe-se, de forma bastante explícita, que Fiona é mais do que uma jovem lutadora, que não teme o trabalho, que corre pelo que acredita e que transcende em muito a imagem de boa moça. Borra a pintura com tanta facilidade, desce tão baixo, que chega a incomodar. 


Na verdade, costuma-se dizer que podemos tirar a menina da rulote, dar-lhe uma casa com todas as mordomias, boa comida na mesa, roupa de qualidade, oportunidade de viajar, conhecer o mundo das artes, mas todos deveríamos saber que a rulote não se desvincula do seu modo de ser. Claro que Fiona não foi beijada pela sorte. Mas teve momentos em que poderia ter feito melhor, em que poderia imperar o bom senso. Ser pobre, viver em condições indignas para a nossa existência não nos caracteriza. Já as atitudes, a rudeza, a falta de sentido de oportunidade, a moralidade com que enxergamos o mundo, esses sim. Os criadores e produtores da obra talvez sejam magistrais por isso, por conhecerem a natureza humana e saberem firmemente que, quando a educação de base falha, só com muita disciplina e cuidados, se consegue evoluir sem grandes tropeços. Sair do gueto é uma tarefa inglória e Fiona, até agora, com grande pena minha, enterrou bem os seus dois pés na lama. São festas com drogas variadas à mistura, são relações com os mais variados trastes, são infidelidades de se lhe perder a conta, são tantas as imaturidades e até algumas vilanias que me recordo de dar por mim a tomar-lhe alguma aversão. E garanto-vos que sou pessoa de bastante paciência, mas o que é demais é moléstia.